A menina entrou na sala na hora de sempre, tranquilamente (ou disfarçava muito bem). Sentou na banca de sempre, ao lado das colegas de sempre. Sorriu animada para todos e disse 'oiiiiiiiiiiii', daquele jeito que adolescente costuma fazer. Ouviu o fim de uma história contada pela 'melhor' amiga, enquanto retirava o material para fazer a prova de matemática.
A professora observava de longe, do birô. Sabia que a história 'importantíssima' já estava no fim mesmo, e que não custava deixar que relaxassem um pouco antes da avaliação. Quase três horas de prova era o que estava à espera daquela turma. Para adolescente, 'tudo' é sempre urgente, sempre 'importantíssimo', e 'nada' pode esperar.
Quando todos já tinham contado uns aos outros suas 'novidades' 'importantíssimas', e lembraram que estavam ali por outro motivo, a professora começou a distribuir os papéis e dar as últimas orientações cabíveis ao processo.
A menina continuou tranquila ao receber sua avaliação (ou continuava disfarçando muito bem). Ainda sorria ao dizer 'obrigada' à professora. As mãos não tremiam. O rosto não estava pálido. Arrumava os papéis na carteira, ajeitava-se, tentava encontrar algum conforto apoiando os pés na carteira da frente. A concentração começava a tomar conta de sua face e o sorriso ficou um pouco esquecido no canto da boca. Mas continuava lá, bastava que alguém se aproximasse que ele apareceria, dava pra ver.
E o pai? Um leitor curioso já deve estar se perguntando.
O pai era da menina, a professora sabia, já o vira muitas vezes buscando-a à porta da escola. Ele estava no corredor. Podia estar nos bancos que ficavam nos jardins da escola, era mais ventilado. Podia estar na praça de alimentação, era mais confortável. Podia estar no estacionamento, ouvindo som no carro, tirando um cochilo. Podia estar na sala de espera oferecida pela escola. Estava num corredor pouco largo, pouco ventilado, nada confortável. Ficaria ali, no mínimo, uma hora: prova de matemática a gente sabe como é, né?
A professora pensou em orientá-lo a se dirigir a algum desses ambientes. Sugerir que seria mais confortável e que a menina seria direcionada ao seu encontro assim que encerrasse sua avaliação, mas desistiu.
O pai não esperava uma filha terminar uma prova, mesmo que de matemática. Ele esperava o nascimento de uma filha. Seus gestos eram tensos. Sua fisionomia nem de longe lembrava o sorriso da filha, nem mesmo o que estava guardado no canto da boca. Seus gestos eram ansiedade pura. De minuto em minuto, o pai aparecia no vidro da porta, olhava para dentro à procura da menina. Apertava os olhos, arrumava-se melhor, parava de respirar e afastava-se bruscamente. Estava de pé, andando de um lado para o outro da porta, sem parar. Alguns momentos olhava para o horizonte, reflexivo, parecia fazer uma prece, uma oração.
A professora olhava, alternadamente, para a menina e para o pai, para o pai e para a menina. Passou muitas vezes por ela, tocou-lhe os ombros, perguntou até se estava tudo bem. O sorriso lá, no canto, deixando-se sugerir facilmente. Ela estava tranquila. E o pai?
Jamais entendi o que fazia ali.
quarta-feira, 28 de abril de 2010
sexta-feira, 9 de abril de 2010
ENTRE PAIS, PROFESSORES E PROVAS
Houve um tempo, num passado bem distante, quando os estudantes ainda estudavam, no qual os professores podiam corrigir provas sem desgaste emocional. O período de avaliações era de silêncio e reflexão 'nos corredores'. Os que sabiam a matéria, repassavam para os colegas que não sabiam, ali mesmo, na frente da porta, ou mesmo dentro da sala, copiando, explicando, resumindo... Era um momento de verdadeiro aprendizado, que antecedia a aplicação dos testes. Nesse contexto, restava aos professores tirar uma ou outra dúvida, daqueles menos atentos, e corrigir aquilo que havia apreendido dos conteúdos ensinados. E os pais? Ora, era nessa época que eles eram verdadeiramente pais. Aproximavam-se mais dos filhos, orientavam para que estudassem, faziam horários de estudo, cobravam para que fosse cumprido, exigiam postura diante do desafio (as fórmulas, as regras, os acontecimentos), relembravam aos mesmos a sua própria época de estudantes, explicavam a importância daquela disciplina toda para o futuro de seus pupilos, faziam-se de exemplos vivos para os mesmos. Era, também, o momento dos filhos mostrarem a seus pais que 'podiam sentir orgulho' deles, que estavam se dedicando e se esforçando.
Houve um tempo quando a culpa pela nota baixa não era exclusivamente do professor.
Hoje, época de prova parece ser de caça às bruxas, ou ao professor, como achar melhor.
Os estudantes, que não estudam como antes, criam estratégias cada vez mais eficazes de 'fila em massa', contratam 'nerds' que tem desejo assumido de se tornar 'populares' para responder completa ou parcialmente as propostas que serão entregues pelo professor. Arquitetam posições/lugares em sala, códigos ultrassecretos, trocas de informações que nem o FBI conseguiria detectar... e o professor é o culpado, no final das contas, de não 'estar em dia' com as 'novas tecnologias filacionais'. Quando alguns filam e outros não, há uma tragédia escolar. Os pais dos menos preparados acusam professores de não terem percebido o que acontecia durante a aplicação da prova, acusam-nos do filho não ter se saído bem e da hipótese, elaborada não sei a partir de que teórico, de que 'se todos filaram era porque a prova estava impossível de ser feita'. (Ora, não era porque os estudantes não querem estudar mais?). Coordenadores, diretores e professores ficam encurralados entre pais que querem explicações imediatas para problemas que se apresentaram desde o início dos ano...
"- Seu filho, pai, sai da aula para bebe água e não volta.
- E não tem ninguém que possa lembrá-lo de voltar à aula?"
Houve um tempo quando pais e professores eram aliados pela educação.
Os pais mudaram. Os professores mudaram. Os estudantes mudaram, também.
Quem mudou para melhor?
Houve um tempo quando a culpa pela nota baixa não era exclusivamente do professor.
Hoje, época de prova parece ser de caça às bruxas, ou ao professor, como achar melhor.
Os estudantes, que não estudam como antes, criam estratégias cada vez mais eficazes de 'fila em massa', contratam 'nerds' que tem desejo assumido de se tornar 'populares' para responder completa ou parcialmente as propostas que serão entregues pelo professor. Arquitetam posições/lugares em sala, códigos ultrassecretos, trocas de informações que nem o FBI conseguiria detectar... e o professor é o culpado, no final das contas, de não 'estar em dia' com as 'novas tecnologias filacionais'. Quando alguns filam e outros não, há uma tragédia escolar. Os pais dos menos preparados acusam professores de não terem percebido o que acontecia durante a aplicação da prova, acusam-nos do filho não ter se saído bem e da hipótese, elaborada não sei a partir de que teórico, de que 'se todos filaram era porque a prova estava impossível de ser feita'. (Ora, não era porque os estudantes não querem estudar mais?). Coordenadores, diretores e professores ficam encurralados entre pais que querem explicações imediatas para problemas que se apresentaram desde o início dos ano...
"- Seu filho, pai, sai da aula para bebe água e não volta.
- E não tem ninguém que possa lembrá-lo de voltar à aula?"
Houve um tempo quando pais e professores eram aliados pela educação.
Os pais mudaram. Os professores mudaram. Os estudantes mudaram, também.
Quem mudou para melhor?
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